terça-feira, 20 de julho de 2010

DIA DO AMIGO!


MEU AMIGO DAQUI ATÉ O ORUM

Quando chove em dia de festa lá em casa, meu pai sempre nos acalma dizendo:-''Pode deixar que essa chuva já, já vai passar porque Chica tem um trato com São Pedro''.
Hoje é dia do amigo, e o melhor amigo que eu tive chamava-se ou chama-se Pedro Paulo. Digo amigo porque nós não crescemos, nem fomos criados juntos, nós nos esbarramos um vez na Faculdade Hélio Alonso, onde eu estudava de dia e
ele a noite, e depois fomos nos reencontrar e ficarmos grudados até que a morte nos separou.
E eu acho que nem a malvada nos separou tanto assim.
Ele, Pedro Paulo era o mais velho de dez irmãos. Só que ele era o único irmão por parte de mãe. Os outros 9 irmãos eram filhos de sua mãe com outro cara. Esse cara por sua vez era um pequeno traficante de maconha numa favela carioca. Pedro
paulo cresceu vendo o pai com os comparsas embalando ''a erva'', mas ouvindo dele que não queria que os filhos se aproximassem do ''bagulho'' e muito menos o consumissem.
Uma noite um Opala preto parou na porta do barraco, chamou o padrasto pelo nome de guerra , ele entrou no carro e nunca mais foi visto.
A mãe que Pedro Paulo teve, que não sabia ler e não tinha nenhuma profissão, caiu na pista e ele como irmão mais velho assumiu as tarefas de pai e mãe e passou a criar os irmãos.
A noite, quando sua mãe saia para se prostituir ele dormia sentado, encostado no tapume que cobria a entrada do barraco, para que ele não fosse invadido e algo acontecesse com seus irmãos.
Quando ficamos amigos na UNIRIO, ele, como eu, já havia terminado sua primeira faculdade. Só, que diferente de mim, ele havia trabalhado no McDonald´s e em outros lugares para poder pagar/custear o ensino particular. A UNIRIO, por sua vez era
publica e ele trabalhava agora na Interbrás, uma empresa da Petrobrás. Ele ganhava bem e podia ajudar a mãe e os irmãos que não moravam mais em barracos com tapumes no lugar de portas. Ele trabalhava a duas quadras do prédio da minha
repartição, e isso quer dizer que nós passávamos o dia todo praticamente juntos. Depois ele começou a frequentar nossa reunião umbandista lá em casa. Então até nos fins de semana nós estávamos juntos.
Ele chegou a realizar um de seus maiores sonhos que era comprar um apartamento num condomínio novo. Só que o infortúnio o atingiu e ele descobriu depois de ter contraído uma virose, que era soropositivo.
Aí a casa caiu! Seu emprego na Interbrás já era passado, porque as multinacionais haviam sido reduzidas ou privatizadas. E ele estava trabalhando em serviços temporários. Mas depois disso foi só derrota! Ele passou o apartamento novo e comprou
a vista, um antigo, segundo ele, para ter onde ''cair morto''.
Fazia de tudo para não revelar a família que estava a beira da morte.
Na nossa casa, nossa amiga Néia fazia um cheque polpudo todo mês, quando vinha para as reuniões, para que ele não deixasse de tomar o coquetel, que na época era comprado e caríssimo. Os nossos parentes, Tia Anísia, Tia Corina, Tio Ivan e
meu primo Zé levavam sopas reforçadas para ele se manter e se sentir amado. Meu pai e o pai biológico dele, o irmão por parte de pai e eu sempre o visitávamos quando ele se internava e assim fomos seguindo. Um dia ele chegou muito mal lá em Sepetiba
e nosso amigo Jim com seus mentores espirituais operou uma cura na vida dele, que lhe deu qualidade de vida por mais um ano. Ele se sentiu tão bem que até fez um concurso e passou. Só que quando o convocaram para assumir o cargo em
Brasília, ele contraiu mononucleose e depois veio a falecer.
Mas antes de morrer ele arrumou todos os seus livros e escreveu
para quem deveriam ser devolvidos, pediu a família que quando entrasse no apartamento dele para morar, permitisse que o amigo dele Laudicênio, tivesse um prazo para se mudar. E todos cumpriram seus desejos.

Anos depois, uma certa noite, eu sonhei com ele. Acordei e não sabia como iria jogar no bicho com aquele palpite.
Aí minha Tia Neném, me disse ,''- é fácil, é só saber o número da carneira dele''. A carneira era a tumba. Mas ao ouvir esse nome ''carneira'', eu me lembrei, que nos seus derradeiros dias, ele usava umas tranças que pareciam
uma cabeleira de lã de carneiro. Eu joguei no carneiro e ganhei!
Pedro Paulo - AMIGO DAQUI ATÉ O ORUM!

VIVA O DIA DO AMIGO!
AMO VOCÊS!


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"Izabela,

De tudo o quanto você escreveu até hoje, nada para mim foi mais forte do que esta crônica. Ela é o recorte de um tempo glorioso de nossas vidas, sob uma Irmandade denominada Cercado do Boiadeiro.

As sessões de festa ou trabalho serviam ao nosso tratamento espiritual, a exemplo do que Jimmy fez com Pedro Paulo STAR de Souza (lembra do nome?). No entanto, nosso doutrinamento se fazia pela convivência. Foi assim que a antipatia mútua que nutríamos eu e Lúcia se transformou nesta amizade tão sólida, neste respeito tão intenso, neste amor tão fraterno. Foram assim tantos outros casos que demandariam um livro de muitas páginas se fosse descrevê-los.

O Cercado não é Sepetiba, nem as paredes do Terreiro; ele foi aquela irmandade constituída por ordens superiores para o cumprimento de uma missão coletiva, sob o comando desta que é sua mãe carnal. Esta missão foi seguramente cumprida com sucesso. A irmandade acabou. Por óbvio as amizades não foram, necessariamente, desfeitas. Apenas, cada qual teve de dar continuidade à missão a que veio.

As saudades, no entanto, são inevitáveis. Por isso, quando na última festa do Boiadeiro entrei na cozinha do sobrado e a vi apenas com Suzane e Vera, chorei escondido. Doeu muito! Tanto quanto você não imagina! Não ter ali Tia Gildete, Lúcia, Dinda Chris, Tia Corina, D. Lizete, Helô. Aquela algazara! Todas ajudando! Cada qual fazendo o prato de seu protegido e reclamando das outras. Eram gritos, brigas, discussões mas era tudo tão lindo, tão sincero, tão cheio de verdade. Estou chorando agora enquanto escrevo. Estou chorando muito. Mas a vida é isto... seguimos cumprindo uma missão que não sabemos bem qual é e em relação a qual esperamos estejamos fazendo o certo.

Hoje, quando vejo tanta gente estranha a esta história, circulando e "fazendo graça" pelo terreiro adentro me sinto um estranho na minha própria Casa de Santo e ofendido na memória que é sobretudo a memória daqueles que partiram para outro plano. Memórias que você homenageia ao trazê-las à tona.

Talvez, quem sabe, esteja me tornando um velho ranzinza como meu padrinho Clóvis. Mas é possível, também, que muitos destes desavisados que encontrei por lá tenham ido em busca da "Irmandade do Cercado" e não do "casa do Cercado", porém como na música de Chico, quem não a conhece não pode mais ver pra crer; quem jamais esquece não a pode reconhecer.

Bjs emocionados,
Zé"

2 comentários:

  1. Eu estava visitando Paris, em 1992, quando recebi a notícia q ele tinha desencarnado, entrei na catedral Notre Dame e rezei pela alma dele entre lágrimas, durante a missa. Ele foi meu amigo emprestado e me ajudou muito na minha carreira acadêmica. Salve Pedro!

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  2. Eu lembro do dia que fui contigo lá no hospital de Vila Isabel (cujo nome me falha agora) e ele estava num quarto conjunto com vários pacientes com tuberculose (ou ao menos era dito assim para mim). Eu percebi desde o princípio o que se passava com ele, e eu achava injusto, pois o julgava um exemplo de cidadão, uma pessoa de respeito que merecia respeito, e acabar daquele jeito por causa de uma doença que não escolhe protagonista ou coadjuvante, não era justo, pelo menos dentro de uma lógica. A existência dele em nossas vidas nos fez sentir que ele era de nossa tribo, uma tribo cada vez mais rara, da idoneidade. Obrigado pela saudável lembrança de Pedro Paulo: o "quase" negro mais bonito do Brasil (segundo o Chacrinha).

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