terça-feira, 27 de julho de 2010

ENTREVISTAS - VIL + MÁ

CAPÍTULO I - A SAGA DA VIL + MÁ!



Minha saudosa madrinha-afilhada Dona Zeli, uma vez me disse que não conseguia entender como uma mãe podia botar uma nome tão pesado em uma filha! Ela se referia ao nome VILMA. Para ela, Vilma representava a junção de vil+ má= Vilma. Ela achava uma carga pesada demais para uma criança!
Me lembrei disso ontem.
Ivani, a assistente de serviços gerais de mamãe, me indicou uma tranceira, vizinha dela.
A criatura veio fazer minha cabeça.
Enquanto trançava, ela começou a me narrar sua trajetória de vida.
Primeiro os números: ela tem 39 anos, uma filha única de 21 anos, possui 8 irmãos e tem 22 sobrinhos. Ela começou a trabalhar numa casa aos 10 anos, engravidou casou e separou aos 20 anos, com um dos 3 filhos da casa onde trabalhava e residia. Ela mora
em Sepetiba faz 18 anos. Me cobrou 35 reais pelo penteado. Ela namora atualmente com um barraqueiro, de 50 anos, recém-separado que tem um quiosque na Praia da Brisa.
Agora vamos a saga da ''Vil-má'':
Vilma nasceu e cresceu numa favela em Senador Camará, Zona Oeste, do Rio. Ela adorava fugir de casa e pegar o onibus 870 - Bangu/Sepetiba, e vir para a praia. Ela sonhava: ''- Um dia ainda vou morar aqui!"
Ela sempre procurou, mesmo muito pequena arrumar uns trocados para ajudar a mãe. Uma de suas irmãs, precisava que ela ajudasse a cuidar de sua filha recem-nascida, enquanto ela trabalhava. Ela gostava de ajudar e achava que a mãe dela iria pedir a irmã que levasse o bebê para a casa delas, mas como o marido da irmã não queria que a filha ficasse fora de casa, a irmã pedia que ela fosse para a casa dela, tomar conta da criança. Lá, a menina de nove anos, de nome Vil-má, era submetida a um cunhado pedófilo, que a bolinava e pedia segredo enquanto ela segurava a sobrinha nos braços. Vilma já tinha noção do que era viver em uma favela, e sabia que se desse
o alarme à comunidade do que se passava nessas tardes de terror, o cunhado seria linchado pela turba furiosa ou executado pelo pai dela. Ela então sofreu calada e assim que teve oportunidade, fez amizade com uma das famílias, as quais prestava pequenos serviços em senador Camará e se mudou como doméstica-mirim para Bangu. Lá conviveu e namorou com um dos filhos da dona da casa onde trabalhava por dez anos e depois engravidou e casou-se com ele. Mas como ela não o amava, pediu a separação antes mesmo de parir a criança. O marido concordou e ela ainda voltou para Senador Camará, onde o cunhado-pedófilo já havia se separado da irmã depois que a filha morreu de repente, antes de completar um ano de idade.
Quando o marido de Vilma perguntou o que ela queria fazer da vida, ela disse que queria realizar seu sonho de morar em Sepetiba e criar a filha deles lá. Ele então comprou uma quitinete para elas e deu um salário mínimo por mês para ela sobreviver.
Ela então começou a fazer pequenos ''bicos'' e aprendeu a fazer tranças, interlace, rastafari, etc..
A filha dela, de nome Ruana, é seu xodó e sua alegria de viver. Estuda e só dá alegrias à mãe. Vilma ainda presta auxílio aos 22 sobrinhos e faz multirão para cortar cabelos e banca a ''Mamãe Noel'' no Natal dos irmãos que não saíram da favela. Nenhum de seus parentes enveredou pela criminalidade tão próxima, mas temem a violência instaurada na comunidade onde sempre viveram.
Ela esbarrou com o pedófilo recentemente, na companhia do atual namorado e se sentiu destroçada. Mas o tempo cura tudo!
Ela também me contou um episódio do ''além''.
Vilma me disse que quando tinha uns 7 anos, ela sempre estava de pés no chão, cabelos desgrenhados e nariz escorrendo. E havia um senhor, conhecido como João Maquinista, que dizia a ela que se ela enxugasse o nariz ele lhe dava uma moeda. Então para ela era um alegria encontrar o bom senhor de nariz escorrendo, para que ele visse, ela limpasse e ganhasse a recompensa.
Recentemente ela foi a Senador Camará com a filha para uma consulta dentária e viu Seu João Maquinista num barzinho, como sempre costumava ficar. Ela se aproximou dele, apresentou a filha, e ele ainda brincou como se a filha tivesse sido criada ali. Vilma pensou, se Ruana enxugasse o nariz na frente de Seu João Maquinista, ele lhe teria dado uma moeda. Vilma então se despediu e enviou lembranças a mãe dele, dona Margarida. Quando visitou sua mãe depois da consulta dentária com Ruana, Vilma comentou com a mãe o encontro. A mãe se espantou e disse que ela devia estar sonhando porque tanto Seu João quando Dona Margarida haviam falecido havia muitos anos. Ela disse que havia falado com ele e tinha a filha por testemunha. Dias depois a mãe confirmou a informação das mortes com os parentes da família de Seu João e perguntou a filha, como ele estava quando ela o viu, e Vilma respondeu: ''- Ora mãe com a mesma cara de sempre!'' Aí , ela percebeu que ele estava como se o tempo não tivesse passado desde a época em que ela tinha sete aninhos. Ela ficou sem dormir uma semana e até hoje ainda fica impressionada com a conversa do ''outro mundo''que ela teve.

CAPÍTULO II - A SAGA CONTINUA

Outro dia, nós estávamos conversando sobre as notícias em torno da vida e morte de Michael Jackson. Então, eu comentei sobre a maneira com que o pai dele era violento com os filhos. Vil-má então começou a me descrever, a relação dos pais dela com ela na infância.
Ela me contou que o pai quando chegava em casa, escutava a mãe reclamando do mau
comportamento dos nove filhos, mas em especial dela e de um outro irmão. A partir daí, o pai iniciava, sem dó, uma série de torturas: arrancava a roupa dela, a colocava debaixo do chuveiro e dava uma surra com uma corrente que os sofás mais antigos tinham embaixo. Quando ela brigava com alguma criança na rua, e ela me contou que era ''moleca-macho'', pois só andava com os outros meninos fazendo arruaça e arrumando brigas, o pai raspava a cabeça dela com gilete, para que ela não quisesse sair na rua careca. E quando ela ia para escola, tinha que usar um lenço de cabeça, e quando as outras crianças a chamavam de careca ou puxavam seu lenço, ela corria atrás das crianças e brigava de novo e era submetida a mais uma série de castigos que incluiam até ser acorrentada, ter suas roupas molhadas para que não pudesse vestí-las e sair, e surra com cabo de aço e chutes nas partes baixas.
Ela contou que o pai, certa vez, bateu tanto no irmão dela, que chegou a deslocar o pescoço.
A mãe dela então, levou o filho para o hospital, e no caminho, foi atropelada e perdeu a memória. O filho machucado, ficou bom do pescoço com o susto do acidente da mãe e voltou para casa para poder dar a notícia do atropelamento e internação da mãe
no hospital.
É MOLE?
Eu fiquei estarrecida com o relato e Tia Neném Jacira, confirmou esse tipo de castigos, como sendo comum, entre muitos pais do passado.
Eu tenho 50 anos e ouví falar desse tipo de crueldade, de pais da época do meu avô Oswaldo. Mas a Vil-má tem 39 anos. E isso aconteceu quando ela tinha entre 7 e 14 anos. Ela tem uma filha de 21 anos, que ela criou de outra maneira, obviamente.
Mas ela disse que hoje, ela é uma pessoa, que procura não ser ''barraqueira'',não bebe e não fala palavrão, e se dá com todos os vizinhos.
Ela disse que perdoou o pai pelas surras e torturas, mas, embora se dê com a mãe, nunca a perdoou por instigar o pai a castigá-los, já que ela era impotente para controlá-los. E ela ainda disse, que como a mãe era loura dos olhos azuis e o pai negão, a mãe evitava ao maximo sair com os filhos, para que as pessoas não a vissem com aquela fila de negrinhos chamando ela de mãe!

Me esquecí até do Michael!UUUUUUHHHHH!

Essa é a Vilma.
Essa é a Roupa das Ruas que revela mulheres com conteúdo, que são provas de superação.

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